No coração da cosmovisão yorùbá pulsa um princípio vital que sustenta toda a existência: àṣẹ (ou “axé”, em sua forma popularizada). Mais do que uma saudação ritual, àṣẹ é a essência do poder divino — a energia viva que conecta, anima e mantém o equilíbrio entre o mundo visível (ayé) e o mundo invisível (òrun).
Neste artigo, vamos explorar profundamente esse conceito fundamental e sua presença em todos os aspectos da vida.
Na língua yorùbá, àṣẹ significa, literalmente, “que assim seja”. Mas seu verdadeiro significado vai muito além: trata-se do poder de fazer com que as coisas aconteçam — o princípio dinâmico por trás da criação, da manutenção e da transformação do universo.
Este poder emana de Olódùmarè, o Ser Supremo, que distribui o àṣẹ a todas as entidades: divindades (Òrìṣà), seres humanos, ancestrais, elementos da natureza e até mesmo às palavras. Nada no universo yorùbá existe sem a presença e a autorização do àṣẹ.
Antes da criação, tudo era silêncio e potencialidade. Quando Olódùmarè decide manifestar o mundo, é o àṣẹ que transforma o desejo divino em realidade.
O àṣẹ é, assim, o sopro de Deus.
Todas as divindades que organizam o cosmos — como Ọbàtálá (modelador dos corpos), Ògún (senhor dos caminhos), Èṣù (mensageiro e regulador) — atuam sob o comando do àṣẹ recebido de Olódùmarè.
Na espiritualidade yorùbá, Òrì é a cabeça espiritual, a sede do destino individual.
Antes de nascer, cada pessoa escolhe seu destino (ayanmọ̀) junto a Olódùmarè, e esse destino é instalado no Òrì.Mas para que ele se realize, é necessário àṣẹ — o combustível divino que faz o projeto de vida ganhar forma.
Cuidar do próprio Òrì, realizar oferendas e alinhar-se com princípios de sabedoria são formas essenciais de manter e fortalecer o próprio àṣẹ.
Cada Òrìṣà representa uma manifestação única do àṣẹ. Veja alguns exemplos:
Especialmente Èṣù é visto como o guardião do àṣẹ: ele é quem regula o fluxo entre intenção e realização, levando as palavras aos Òrìṣà e trazendo as respostas.
“Èṣù l’ọ̀nà” – Èṣù é o caminho.
O sistema de Ifá, transmitido por Ọ̀rúnmìlà, carrega o àṣẹ nos seus versos sagrados (odu).
Cada odu de Ifá contém o àṣẹ necessário para tratar aspectos da vida — saúde, conflitos, decisões — e sua recitação correta ativa esse poder, promovendo transformações reais.
Em Ifá, não se trata apenas de prever o futuro, mas de interagir com a energia vital que constrói o futuro.
O àṣẹ se manifesta em várias áreas da vida:
Preservar o àṣẹ é essencial para manter harmonia, saúde e prosperidade.
Perder o àṣẹ é abrir espaço para desequilíbrios, doenças e fracassos.
No mundo yorùbá, a palavra é um veículo do àṣẹ.
Por isso, falar é um ato de criação. Bênçãos (àdúrà), louvações (oríkì) e cânticos sagrados não são apenas tradição: são meios de movimentar o àṣẹ.
Quando alguém responde “Àṣẹ!” a uma oração ou bênção, está afirmando:
“Eu reconheço esse poder, aceito-o e que ele se manifeste.”
Viver de acordo com a tradição yorùbá é viver com consciência do àṣẹ — a força vital que nos conecta ao divino e ao propósito de nossa existência.
Àṣẹ está presente no nascimento de uma criança, no conselho de um ancião, no som do vento e na cura das folhas.
Como dizem os antigos:
“Àṣẹ gbogbo ohun rere.”
Àṣẹ a tudo o que é bom.
E a resposta é sempre:
Àṣẹ.